Domingo, 03 Março 2019

Comitê do CNJ participa de debate sobre casos de crianças desaparecidas

Cerca de 19 crianças negras, de comunidades carentes, com idades entre nove e 13 anos desapareceram forçadamente do Rio de Janeiro nos anos 2002 e 2008.

Suas mães buscaram ajuda nos órgãos do sistema de Justiça do estado, mas os casos jamais foram solucionados.

As falhas nas ações em casos de desaparecimento e de tráfico de pessoas foram debatidas em seminário promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), que contou com a participação do conselheiro Luciano Frota, presidente do Comitê Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condições Análogas ao de Escravo e de Tráfico de Pessoas (Fontet), e do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), ambos coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na conferência, que ocorreu na última quinta-feira (21/2), foi apresentada a pesquisa "Desaparecimento Forçado de Meninas no Rio de Janeiro: Desafios do Sistema de Justiça", produzida pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (Nupegre) da Emerj.

O estudo detectou falhas institucionais para lidar com essa questão, como falta de dados oficiais e de estudos acadêmicos, morosidade das ações (inquéritos policiais e processos judiciais), e descaso com as famílias que passaram pelo drama do desaparecimento de crianças.

O levantamento revelou também uma infinidade de violações, não apenas às instituições, como aos direitos humanos, e de convenções internacionais ratificadas pelo país.

"O Estado brasileiro é ineficiente e não dá respostas eficazes para os anseios das pessoas, principalmente, dos vulneráveis, dos pobres, dos negros, crianças, mulheres.

Houve ações em que a primeira denúncia, ou seja, o início da ação penal, só foi oferecida 11 anos depois.

Essas mães eram, em sua maioria, negras, pobres, sozinhas. E foram tratadas (e ainda o são) de maneira machista, discriminadora, excludente.

Ficaram na porta de delegacias, Ministério Público, fóruns, e não foram atendidas, ninguém lhes dava atenção", disse o conselheiro Luciano Frota, que pretende fazer uma audiência pública, no âmbito do CNJ, para visibilizar o tema.

O trabalho também apontou falhas de comunicação entre os órgãos do sistema de Justiça e problemas na identificação dos dados pessoais, que gerariam dificuldades na distinção entre pessoas falecidas, traficadas, ou mesmo que ingressaram no sistema prisional, por exemplo.

De acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2017, nos últimos 10 anos, ao menos quase 700 mil pessoas foram dadas como desaparecidas nos registros policiais.

Violência institucional
As mães de três crianças desaparecidas, que hoje estariam com pouco mais de 20 anos, participaram do seminário e relataram suas dramáticas experiências, emocionando a maioria dos presentes.

Elas contaram que chegaram a ouvir de agentes do Estado frases como "Sua filha deve estar namorando e vai voltar quando cansar", ou "Sua filha deve estar trabalhando na Europa", referindo-se a crianças de 9 anos. Segundo as Nações Unidas, 28% das vítimas de tráfico são de crianças.

"O que vemos é a extrema desumanidade do sistema como um todo em relação à vida das crianças desaparecidas.

Esse é um estudo importante, que aponta falhas reais, de casos que chegaram a demorar até 13 anos para começar a ser ajuizados perante o Tribunal do Rio de Janeiro.

A morosidade do Estado, o descaso com as denúncias, tudo isso impactou para que elas nunca mais fossem encontradas ou localizadas", disse a presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica da Emerj, juíza Adriana Ramos de Mello.

Para ela, é preciso aperfeiçoar a eficácia dos órgãos públicos. "A Justiça precisa dar uma resposta eficaz ao desaparecimento forçado de meninas e adolescentes.

Infelizmente, isso mostra como o Estado brasileiro, por meio de suas instituições, trata as pessoas socialmente excluídas.

Todos os dias, centenas de pessoas desaparecem, vitimadas pelo tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e seguem tratadas da mesma maneira", disse. De acordo a magistrada, o tráfico de pessoas mobiliza cerca de 32 bilhões de dólares ao ano.

Além dos juízes Luciano Frota e Adriana Ramos, participaram do encontro a promotora de Justiça Eliane de Lima Pereira; o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Fábio Amado de Souza; a secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, Fabiana Bentes; e a presidente da ONG Portal Kids e do movimento Mães do Brasil, Wal Ferrão.

Fórum da Infância
Ainda em relação aos jovens, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também deve dar atenção a projetos desenvolvidos pelas coordenadorias de infância e juventude em relação as crianças e jovens sob os cuidados da Justiça – sejam elas infratoras ou vítimas.

Durante a primeira reunião do Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj), ocorrida na última quarta-feira (20/2), na sede do CNJ, em Brasília, foi estabelecida a necessidade de elaboração de uma pesquisa para saber como estão estruturadas as coordenadorias, que projetos estão sendo desenvolvidos, e se recebem ou não apoio dos tribunais.

"Precisamos ter um mapa do funcionamento da Justiça nessa área. A ideia é saber como as coisas estão andando e auxiliar os tribunais com seus projetos. Por exemplo, se fazem os atendimentos psicossociais, se há salas de escutas humanizadas.

Há muita gente boa trabalhando em prol da criança e nós queremos contribuir com esses trabalhos, levando para o maior número de estados possíveis as ações que vem dando certo", afirmou Luciano Frota. O conselheiro também citou a capacitação como um dos principais pontos do trabalho do Foninj.

O presidente do Fórum revelou que pretende estabelecer convênios com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento (Enfam) para ajudar a capacitar os magistrados que trabalham nessa área, e sensibilizá-los para o tema.

O que é o tráfico de pessoas
O tráfico de pessoas é caracterizado pelo "recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração".

A definição encontra-se no Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida também como Convenção de Palermo.

Fonte: Agência CNJ

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