“Sinto tanta falta dela, tanta falta. Ainda ando pelas ruas procurando porque não me conformo de ela ter sumido. Não tem como deixar de procurar, é minha filha. Queria que ela estivesse aqui. Ainda creio que ela possa voltar para casa. Ninguém consegue acreditar no que aconteceu”, diz.
A mesma esperança move a família da menina Gabriela Aparecida Alves, que desapareceu na manhã de 28 de maio de 2015, em Tietê (SP), após levar os irmãos à escola.
A polícia encerrou o caso devido à falta de provas que apontassem o paradeiro da menina ou do corpo dela.
Esses dois casos no interior de São Paulo fazem parte dos milhares que são registrados no Brasil e que ainda continuam sem solução. Conforme o Ministério da Justiça, a cada ano são 250 mil desaparecidos no país - 40% deles crianças ou adolescentes no Estado de São Paulo.
Em 2017, foram 82.684 registros de desaparecimentos no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Contudo, não há uma estatística oficial sobre crianças desaparecidas e o site de Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, criado pelo Ministério dos Direitos Humanos, está fora do ar e desatualizado desde o início de 2018.
O G1 conversou com as famílias para saber como ficam diante da falta de informações e do arquivamento dos inquéritos.
A reportagem também ouviu representantes da Polícia Civil, da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos e da Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida para saber sobre o reflexo da falta de estatística oficial no país.
‘Minha menina’
Domingo, 6 de novembro de 2016, Tatuí (SP)
Juliana saiu com os outros três irmãos, de 6, 9 e 13 anos para brincar na rua onde moram, a Pedra Ribeiro Abram. Era domingo e estava ensolarado. Os irmãos voltaram, mas Juliana não.
Na época, imagens de uma câmera de segurança registraram o momento em que ela conversou com um homem em frente ao bar que fica na mesmo rua da casa. Ele foi ouvido posteriormente, mas as investigações apontaram que não tinha ligação com o desaparecimento da garota.
Para Ilzoneide, o desaparecimento da filha ainda é um mistério após quase dois anos. Entretanto, ainda mantém a rotina de fazer buscas pela região.
“Não consigo entender. Fizemos buscas, achamos até um suspeito, e nada. Como pode uma criança sumir assim e até agora não sabermos o que houve? Fico inconformada até hoje. Por isso, continuo buscando até encontrar minha menina”, ressalta.
A mãe conta que desde o desaparecimento vive com medo de que alguma coisa possa acontecer com seus outros filhos.
“Agora não deixo os meus outros filhos saírem sozinhos na rua. Sempre que eles vão brincar fora de casa vou junto ou peço para um vizinho acompanhá-los. Até na escola não deixo irem sozinhos mais. Eles até chegam atrasados, pois estudam em escolas diferentes, mas levo e vou buscar”, explica.
De acordo com o delegado Agnaldo Ramos, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Itapetininga, o inquérito continua aberto, mas não há pistas sobre o paradeiro de Juliana.
“Fizemos buscas e nada. Um suspeito chegou a ser preso, mas as investigações apontaram que ele não estava envolvido no sumiço da garota e foi liberado. Encontramos roupas queimadas, mas o laudo apontou que não eram da Juliana. O caso segue em aberto, mas sem pistas de onde ela possa estar. Fizemos tudo que podíamos em relação às buscas e as investigações continuam”, afirma.
De todos os dias sem sua filha, a mãe afirma que o mais triste é o seu aniversário, em 8 de julho.
“Não posso mais fazer festinha. Choro muito toda vez que lembro dela. Quero minha filha, quero acabar com essa agonia”, diz.
Sem solução
28 de maio de 2015, Tietê (SP)
Gabriela saiu para deixar os dois irmãos mais novos na creche, mas não voltou para casa.
Segundo testemunhas, ela foi vista pela última vez por um vizinho na rua onde morava, conversando com um homem. Ele estava ao lado de um Gol vermelho, modelo antigo, com vidros escuros e rodas pretas.
O homem chegou a ser preso, mas no dia 1° de julho ele se enforcou na cadeia, segundo a polícia. Ao lado do corpo foi encontrado um bilhete em que o suspeito dizia ser inocente.
A polícia encerrou o caso devido à falta de provas que apontassem o paradeiro da menina ou do corpo dela. Na época da prisão do suspeito, buscas com cães farejadores e equipes da polícia foram feitas nas proximidades da casa do homem, mas nada foi encontrado.
Exames revelaram que no carro dele havia manchas de sangue, mas não houve confirmação se era de Gabriela.
Na época, a mãe da criança, Lucinéia Cristina da Silva, passou por atendimento psicológico. “Sempre esperando um telefonema, alguém chegar e dar uma notícia. É duro, viu, não é fácil”, contou, emocionada.
A última entrevista que a família de Gabriela deu foi em 2016. Para a produção desta reportagem o G1 tentou entrar em contato com parentes para falar sobre o desaparecimento da menina, mas ninguém foi encontrado.
Investigação
Os casos das duas crianças ainda são um mistério para a Polícia Civil. Mas assim como esses dois inquéritos, muitos continuam sem solução no estado de São Paulo.
Segundo a Polícia Civil, a Delegacia Seccional de Itapetininga, responsável por 14 municípios, registrou, até 28 de agosto de 2018, 168 casos de desaparecimento.
Em 2016 foram 312 casos e, em 2017, 274. Contudo, não há informações de quantos desses casos envolvem crianças.
Para o delegado Agnaldo Ramos, uma das dificuldades em relação aos casos de desaparecimento é a pessoa sair do local de origem.
“Isso dificulta bastante nosso trabalho porque fazemos buscas na área. Quando a pessoa está em outra cidade, a investigação acaba sendo prejudicada. Temos o caso de uma jovem que estava desaparecida em Campinas há anos e foi encontrada morta e carbonizada na região de Itapetininga. Até identificarmos e constatarmos que era essa jovem sumida, foram meses. Se ela fosse encontrada na área dela, poderia ser um processo mais rápido”, explica.
Ainda de acordo com Ramos, familiares de desaparecidos não precisam esperar 48 horas para registrar boletim de ocorrência de desaparecimento.
“Não existe mais isso, ainda mais se for criança. Constatou o sumiço, já vai para a delegacia e registra o boletim e abrimos inquérito na hora. Já sobre desaparecidos adultos, temos um prazo de 30 dias para fazermos um relatório sobre as buscas feitas."
Dificuldades
Indagado sobre casos de crianças desaparecidas serem mais difíceis de solucionar, o delegado afirma que não há diferença com os de adultos.
“Não há como dizer que casos de crianças são mais difíceis de solucionar ou que os de adultos. São iguais e a Polícia Civil age da mesma maneira. O que ocorre é que em muitos casos de adolescentes constatamos que ‘fugiram’ com amigos, namorado, namorada. E os de crianças conseguimos, dependendo de quando a polícia é acionada, encontrar a vítima com mais facilidade”, alega.
Já sobre o arquivamento, o delegado esclarece que se alguma pista surgiu mesmo após o caso ter sido encerrado, ele pode ser reaberto.
Cadastro Nacional
Em 2010, foi lançado o site Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos junto com o site Desaparecidos, pelo Ministério de Direitos Humanos. Contudo, ele foi retirado do ar no início de 2018 e a previsão é que retorno até setembro deste ano.
Em nota, o Ministério de Direitos Humanos informou que desde sua criação até 2018, o site recebeu 957 registros de crianças e adolescentes desaparecidos.
Após avaliação inicial, foi identificado que somente 250 registros estavam habilitados, ou seja, tinham informações completas sobre desaparecimento e foi possível contato com o responsável pelo registro do caso na plataforma.
Desse total, 161 crianças e adolescentes foram localizados e 89 continuam desaparecidos. Contudo, o Ministério ainda não dispõe das informações por unidade da federação.
O Ministério ainda informou que o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos foi retirado do ar para atualização do banco de dados e reformulação da ferramenta.
As atividades de reformulação estão sendo executadas por meio de consultoria contratada pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH) e estarão disponíveis nas próximas semanas.
Porém, um novo endereço eletrônico foi destinado ao tema de crianças e adolescentes desaparecidos no Brasil, contendo informações sobre o desaparecimento de crianças e adolescentes, tais como dicas para evitar e o que fazer em caso de sumiço da criança ou adolescente.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), é de extrema importância ter um cadastro atualizado e a falta disso mostra descaso.
“Existem cadastros no Brasil para carros, celulares e para crianças não. É de extrema importância para as familiares, que se sentem sem amparo e não sabem o que fazer. O site deveria estar atualizado e é simples para que isso ocorra", afirma Ariel.
"É só ter uma central em Brasília que pegue os boletins de ocorrência registrados e orienta as famílias a levarem as fotos dos desaparecidos. Se todos os boletins fossem computados e atualizados assim que as pessoas fossem encontradas, teríamos um cadastro eficiente”, ressalta o advogado.
Ainda de acordo com o coordenador, o ideal seria ter um cadastro municipal para ser ainda mais efetivo.
“O município poderia também fazer esse cadastro e depois encaminhar para a central. Isso não demandaria uma grande estrutura. Mas o que percebemos é a falta de prioridade. Ter essa estatística, esse cadastro, é fundamental para as famílias. Iniciativas simples podem ajudar os familiares a encontrarem o ente sumido e trazer esperança”, ressalta.
Mães da Sé
Para ajudar famílias que ainda buscam por filhos desaparecidos e não perderam a esperança, Ivanise Esperidião da Silva Santos e Vera Lúcia Gonçalves criaram em 1996 a Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD) - Mães da Sé.
A entidade fica em São Paulo, mas realiza cadastro dos desaparecidos do Brasil todo por telefone, pessoalmente ou pela internet.
Em entrevista ao G1, a presidente Ivanise afirma que a ideia surgiu quando estava em um grupo de mães de crianças desaparecidas de São Paulo que foi convidado a participar das gravações da novela Explode Coração.
“Minha filha está desaparecida há mais de 20 anos. Na época que ela sumiu teve a novela e participei. Durante as gravações conheci dois grupos que atuavam nessas buscas e me interessei muito pelo trabalho. Então, resolvi começar com isso em São Paulo”, afirma.
Com o tempo, a associação começou a contar com o apoio de voluntários. De acordo com Ivanise, desde a fundação mais de 10 mil casos foram cadastrados. Desses, 4.760 foram solucionados.
“Para mim cada encontro é emocionante. É uma alegria sem fim e que me dá ainda mais esperança de achar minha filha mesmo após 20 anos de sumiço”, afirma.
Para realizar o cadastro, segundo Ivanise, basta ligar ou mandar um e-mail com a foto da pessoa.
“Somos uma família e as mães se apoiam nessa causa. Temos o mesmo objetivo e esperança de solucionar esses casos que, infelizmente, afeta nosso país”, afirma.
Fonte: G1